Todos nós somos uma cruz, como se diz em Mateus 10,38.
O homem natural é a cruz, e devemos ser resgatados ou regenerados pelo Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo (o mundo é o homem).
E este Cristo-Cordeiro vem e se entrega a nós para nos salvar, por isso se crava na cruz com o nome de INRI[1], que na tradição hermética cristã significa Igne Natura Renovatur Integra (A natureza -humana- é integralmente renovada pelo fogo)…
A imagem do Cristo crucificado deveria ser compreendida num sentido não carnal, humano, pois é a divindade que se fixa na nossa cruz (crucifixão: fixado na cruz), e a cruz é o homem. Por isso até o século VII os crucifixos não tinham incorporada uma figura humana do Cristo.
Assim, Deus, Cristo se sacrifica para nos salvar, se entrega à morte, mas também o homem « velho » deverá ser sacrificado para ser completamente regenerado e se tornar o homem « novo », a imagem do mesmo Cristo.
Os mistérios do Cristianismo são os mistérios da regeneração da humanidade exiliada, mostrados, ou melhor dito, revelados mediante umas imagens sagradas que falam de cada um de nós. Nos propõem seguir o Caminho da Cruz com o Cristo que se sacrifica por nós.
AS TRÊS CRUZES DO CALVÁRIO (Lucas 23,33 e 23, 39-42)[2]
A Páscoa é o momento justo para pedir essa benção do Salvador, o Cristo que vem do Céu, e que é chamado de « Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo » (o mundo é o homem).
É um ensinamento bem claro: podemos escolher ser como o mal ladrão ou o bom ladrão (Lucas 23, 38-43) porque « ladrões » somos todos nesta vida caída, pois «usurpamos» a vida divina. Mas a salvação nos é oferecida sempre, e em todo tempo e lugar.
E este caminho é interior. Este é o caminho para a Páscoa que nos levará à ressurreição.
Creio que devemos consumir nossa cruz e logo lavá-la para extrair dela o sal, não? (Louis Cattiaux)[3]
VERSÍCULOS D’ A MENSAGEM REENCONTRADA
Acreditamos fazer um sacrifício renunciando ao mundo para nos voltar para Deus. Depois compreendemos que é o Senhor que se sacrifica voltando-se para nós. (XX, 17)
Perdoa-se tudo a um vivente, exceto estar presente entre os agonizantes deste mundo.
« Ó sacrifício santíssimo dos filhos do Único! » (XIX, 65’)
Cristo quer nos libertar da fossa das imundícies onde caímos, enquanto o anticristo quer nos instalar nela para sempre. Eis a ação de Deus e eis a de Satã, aqui há uma diferença fundamental que deve separar de uma vez por todas os verdadeiros crentes que esperam na ação da natureza divina, dos ímpios endurecidos que só contam com o trabalho das suas mãos para se salvar. (XXI,6)
Quantos entre eles compreendem que estes santos Mistérios descrevem também a regeneração corporal do homem crucificado aqui embaixo? (XXXVI,13’)
Nenhuma alegria, nenhuma segurança, nenhum repouso, nenhuma paz para nós enquanto um crente chorar neste mundo de miséria, enquanto um extraviado tatear nestas trevas do exílio, enquanto um enfermo agonizar nesta vala comum da morte, enquanto um crucificado gemer sobre esta cruz de resgate. (XXVIII, 33’)
Não é também o Senhor descendido do céu que se encarna na mulher e que nos devolve a vida se entregando à morte que nos habita? (XXXVI, 54”)
O mistério de Cristo é o mistério de Deus feito homem, e o mistério do homem refeito Deus. (XXV,26)
A liberdade e a potência primeiras são como a saída da consciência individual e como a imersão na consciência divina, onde Deus age e repousa eternamente. (XVIII, 58)
Corresponde a cada qual buscar Cristo, encontrá-lo e albergá-lo para ser salvo, transformado e aperfeiçoado nele. (XIX, 20)
[1] Vide INRI em Lucas 23,38: Havia uma inscrição acima dele, que dizia: INRI.
[2] 33 Quando chegaram ao lugar chamado Calvário, ali o crucificaram, bem como aos malfeitores, um à direita e o outro à esquerda.
39 Um dos malfeitores crucificados blasfemava contra ele, dizendo: Não és tu o Cristo? Salva-te a ti mesmo e a nós também.
40 Respondendo-lhe, porém, o outro repreendeu-o dizendo: Nem ao menos temes a Deus, estando sob igual sentença?
41 Nós na verdade com justiça, porque recebemos o castigo que os nossos atos merecem; mas este nenhum mal fez.
42 E acrescentou: Jesus, lembra-te de mim quando vieres no teu Reino.
3] Veja neste site em CARTAS -> Florilégio Epistolar -> A CRUZ