A busca do segredo

Carta nº. 68 do Florilegio Epistolar,de Louis Cattiaux[1]

Seleção de Emmanuel d’Hooghvorst

Tradução do espanhol: Regina de Carvalho

           Apesar de tudo, é uma grande vantagem não estar obrigado a correr miseravelmente atrás de nossa própria vida quando se busca a pura vida celeste, e podes sentir-te agradecido por ter uma boa posição neste sentido.

           Se tudo o mais te parece vão e te aborrece é porque estás disposto a ir onde há que ir, ou seja, ao Reino de Deus, pois tudo o mais “te será dado por acréscimo”.[2] Enquanto se espera encontrar o Reino, pode-se realmente arrebentar-se de miséria aqui em baixo no meio da indiferença dos inteligentes que somente estimulam as buscas vãs, vale dizer, razoáveis como a bomba atômica, por exemplo, ou a literatura pornográfica, ou a que está castrada. Ou seja, toda a classe de crostas mortas! Como pode o mundo esperar beneficiar-se do conhecimento dos filhos de Deus, enquanto se orientar aos filhos do diabo e suas obras surpreendentes, porém mortas, e que somente engendram a morte?

            Ás vezes me pergunto como não me tornei louco de angústia e amargura, nesta busca enlouquecedora; necessito de uma resistência física e de uma  temperança moral realmente únicas para resistir e não ser volatizado por ambos os ladosSem mencionar… as inauditas dificuldades relativas à vida material neste mundo escurecido e feroz que, por si só, bastam para derrubar os homens fortes. Além disso, tenho sido como treze ovos em uma dúzia, como um carinhoso presente do Altíssimo para alguém a quem ama!

           Parece-me bastante estranho que te surpreendas encontrar-te na escuridão, quando mal acabas de começar tua busca e quando todos os humanos (salvo uma ou duas exceções desconhecidas) estão ainda mais em trevas. Como poderias apreciar algo que te é dado sem sofrimento e sem busca?… Deus põe à prova muito tempo os seus eleitos… até o limite de suas forças e de sua paciência, até os limites do desespero. Sabes que somente alguns preferidos, entre os maiores santos de todos os tempos, obtém o conhecimento último e possessivo? Sabes que os que só se tem beneficiado deste dito conhecimento, sem possuí-lo, também tem esperado muito tempo e sofrido mil repulsas? Basta que rezes. Deus não é surdo nem tonto, mas é exigente, prudente e lento. O que está em jogo é tão fantástico e insensato que se tivéssemos plena consciência disso, possivelmente, não nos atreveríamos a pedi-lo, como ocorre com os que não podem crer por sua enormidade e inverossimilhança. Deves embeber-te, necessariamente, das palavras dos mestres, antes que este hieróglifo comece a desenredar-se em teu cérebro.

            A Igreja atua sabiamente, ao proibir, a seus paroquianos, a busca do segredo do Universo. É demasiado perigoso, demasiado exaustivo, demasiado terrível e, se Deus em pessoa, não te empurra até Ele de uma maneira irresistível e não te inspira diretamente, é inútil arriscar-se no labirinto de onde a loucura nos espreita e devora 99 vezes a cada 100.

            O segredo está em ti e os autênticos livros santos não são, senão, espelhos muito imperfeitos nos quais podes reconhecê-lo orando como um louco. E, por favor, creias-me, nem a erudição, nem a ciência, nem sequer a inteligência consegue algo se o Senhor não te murmura a coisa ao ouvido.

           É demasiado fácil e é o que repele aos buscadores acostumados às grandes dificuldades, às grandes sutilizas, aos enormes trabalhos, pois não podem crer, por sua loucura orgulhosa, que Deus o dê gratuitamente aos seus filhos repousados e atentos.

           Compreendes o que significa sem malícia? Sem crosta?

           Em nossa busca do Senhor, não devemos deixar-nos escandalizar por nada e nem por ninguém, pois poderíamos passar ao lado da revelação tantas vezes quantas nos velaríamos os olhos e nos taparíamos os ouvidos.

            Felizes os que creem sem haver visto, pois verão e saborearão mais que ninguém.


[1]Arola Editors, Tarragona (E), 1999

[2] Mateus, VI, 33.