Carta nº. 47 do Florilegio Epistolar,de Louis Cattiaux[1]
Seleção de Emmanuel d’Hooghvorst
Tradução do espanhol: Regina de Carvalho
Assim, pois, muitos conhecem a toada, mas poucos têm a canção. Isto também é uma armadilha para aqueles que não esperam obter a iluminação de Deus por meio de seus sábios e santos, prosternados ante ele. Portanto é preferível aproximar-se do Senhor estando só e sendo um ignorante, que estar vazio como um cântaro mostrando-se como um sábio e adepto de qualquer sociedade secreta.
Em sua origem estas sociedades estão formadas por adeptos, que transmitem ritos e símbolos suscetíveis de por um sucessor sobre a via. Mas estes eventuais sucessores sempre vem de fora e não estão submetidos às sociedades; pelo contrário, são as sociedades que estão submetidas a eles. Entretanto, vivem ignorados a maior parte do tempo e livres de toda atadura mundana, pois não perseguem as honras, o dinheiro, o mistério nem nada, já que o tem tudo!
Tenho te falado das sociedades secretas egípcias ou outras, como te falo dos filhos de Maria, posto que tanto estas como aquelas ridicularizam a santidade que deveria emanar delas, as primeiras por suas conspirações de colegiais, e as segundas, por substituir a pureza do dom por uma moral hipócrita. Em sua origem são perfeitas e têm toda minha aprovação. Só agora protesto contra esta emasculação dos mistérios ou, melhor dito, mediocrização. Seria feliz se compreendesses bem meu pensamento quando denuncio os maus atores de obras de teatro que são excelentes por si mesmas, pois não se trata de ridicularizá-las ainda mais do que já estão, por obra de todos os medíocres que se apoderaram delas. É a mesma história das obras de teatro patrocinadas que se mutilam ao bel prazer, assim como se desfigura a Cristo por força de derramar açúcar fundido por cima. Pode ser que os cristãos sejam dóceis cordeiros, mas não é necessário que pareçam bezerros estúpidos.
[1] Arola Editors, Tarragona (E), 1999