Diálogos Entre Louis Cattiaux e Emmanuel D’ Hooghvorst

DIÁLOGOS ENTRE LOUIS CATTIAUX E EMMANUEL D’ HOOGHVORST[1]

Seleção: E. d’Hooghvorst

Tradução do espanhol: Fábio Malavoglia

Levar-se a sério

Louis Cattiaux:

Neste mundo, em relação a tudo que fazemos e pensemos, só existe um perigo real, que é levar-nos a sério, inclusive tragicamente, e assim tornarmo-nos sectários e teimosos; isto é certo para tudo e para todos sem exceção. Assim, vemos que a liberdade é muito difícil de conservar, porém é o que nos permite ser corrigidos e guiados sem esforços nem dores inúteis.

Emmanuel d’Hooghvorst:

Talvez eu me leve a sério e não me ria bastante do mundo. Porém uma coisa é certa: é que levo a busca a sério. É impossível levar a cabo uma busca em companhia de medíocres. Não creio que me contradigas nisso. Tu que possuis a joia, certamente vês o mundo de outro modo do que eu, e com mais desapego. Eu só tenho um desejo, a tranquilidade, a paz, o recolhimento, ser ignorado; não andar no mundo mais do que a serviço de Deus, se Ele me pedir.

Louis Cattiaux:

Entendo muito bem tuas decepções com teu entorno, já que é mais ou menos a mesma aventura que me ocorreu e que gerou o vazio ao meu redor, porém isso também me aproximou muito de Deus sem que os medíocres se deem conta e aqui está o maravilhoso humor divino para quem o descobrir.

Progresso n’A Mensagem Reencontrada

Emmanuel d’Hooghvorst:

Os últimos capítulos da Mensagem são muito diferentes dos iniciais. Primeiro a concentração do caule, logo as flores do meio e finalmente os abundantes frutos do final. Penso que este livro bem poderia ter em nosso mundo o mesmo papel do Corão de Maomé em sua época. Percebemos cada vez mais gente que tem sede. Oxalá, pudessem reconhecer a Mensagem. É realmente curioso que sejas tu quem eu vim a conhecer. Certamente a Mensagem preenche minhas aspirações secretas. Terá chegado muito cedo ou demasiado tarde? Ou, melhor dizendo, teremos chegado muito cedo ou demasiado tarde?

Louis Cattiaux:

Claro, há muitas coisas n’A Mensagem Reencontrada, e é muito curioso que fales a respeito dela, de caule, flores e frutos!

Alquimia desconhecida n’A Mensagem Reencontrada

Emmanuel d’Hooghvorst:

Posso, se desejas, suprimir a palavra alquímico a propósito da M.R. e substituí-la por hermético, mais vago. Ainda estamos em tempo. Não pensava cometer uma indiscrição. Isto ocorre quando um ignorante apresenta a M.R.

Louis Cattiaux:

Não, não vejo nenhum inconveniente em apresentar a Mensagem como um livro alquímico. Que inconveniente poderia haver?  Os imbecis não verão nada e os demais serão mais instruídos. Por que vês nisso um inconveniente?

Emmanuel d’Hooghvorst:

Pensei que a palavra alquimia é tão desconhecida atualmente que poderia afastar a muitos crentes sinceros. Dar-te-ás conta que se pode ler este livro sem suspeitar do que se trata se não se sabe de antemão.

Juízo

Emmanuel d’Hooghvorst:

Se está escrito que o temor de Deus é o começo da sabedoria, estou vivendo nestes momentos uma experiência bem inesperada. Como uma água turva que parece limpa quando repousa, porém cuja sujeira vem à superfície quando é agitada, sinto subir em mim a consciência e o remorso de faltas passadas que tinha esquecido há muito tempo e que, de fato, estavam abolidas para mim. É uma experiência muito desagradável e começo a entender o que será o dia do juízo. Entretanto não fiz nada para invocá-las. Como poderia eu julgar alguém?

Louis Cattiaux:

Tens que te felicitar pela prova que estás passando e aproveitar para examinar teus pecados com atenção, em vez de rechaçá-los como fazem os ignorantes. Assim poderás oferecê-los a Deus com tuas boas ações afim de que te libere inteiramente, o que pouca gente sabe fazer. Eis aqui a liberdade das crianças de Deus, que assim se libertam das contas e só consideram a seu Senhor e Pai. Este juízo desagradável desembocará numa morte e numa ressureição em Deus, se lhe entregas tudo, a ti inclusive. É a purificação que tanto desejas, querido Emmanuel. Tens, pois, que te alegrar sinceramente e seguir na prova com confiança e humildade.

A propósito d’A Mensagem Reencontrada

Emmanuel d’Hooghvorst:

A diferença de apresentação entre os primeiros e os últimos capítulos d’A Mensagem torna-se cada vez mais nítida para mim, ainda que talvez a segunda parte seja mais explícita que a primeira, e assim ambas se complementam uma à outra.

Louis Cattiaux:

Os novos capítulos d’A Mensagem são mais humanos e mais místicos aparentemente, porém acharás, nadando por baixo, o mesmo pensamento dos primeiros capítulos cuja nudez tanto te agrada.

Encontrar Kristo ressuscitado

Louis Cattiaux:

Penso que Kristo, ressuscitado na Páscoa, está no mundo com seu corpo glorioso e celeste até a Ascensão. Assim, pois, é durante este tempo que temos oportunidade de encontrá-lo. Porém, onde? Certamente não no inferno das cidades. Quem sabe numa montanha purificada pela neve?  Ou então num lugar alto animado pelas árvores? Tens mais sorte em teus bosques do que eu sobre o asfalto das calçadas.

Emmanuel d’Hooghvorst:

É realmente necessário deixar carnalmente a rua Casimir Périer para ir buscar Cristo sobre as montanhas cobertas de neve entre a Ressureição e a Ascenção? Mesmo assim, no livro sobre xamanismo vejo que é necessário estar num estado de deficiência e esgotamento físico para receber o espírito que provoca uma enfermidade quando se manifesta; é também necessário ir a uma caverna. Segundo a tradição transmitida por Porfírio, Zoroastro iniciava seus discípulos nas grutas e Pitágoras em templos subterrâneos. Também penso em tua invocação: “Nuvem das grutas”. Porém, outra vez: por acaso a palavra gruta não tem duplo sentido, como neve, montanha, etc.? Não é menos certo, em virtude da lei da correspondência, que as grutas e as montanhas, tomadas em seu sentido comum, certamente devem ser lugares propícios para a iniciação e a inspiração.

Happy End

Emmanuel d’Hooghvorst:

Adeus, queridíssimo amigo. Outra vez obrigado por tudo que sinto, pressinto, entrevejo. Pergunto-me ao que devo a graça de ter-te conhecido.

Louis Cattiaux:

Você foi o encontro raríssimo como o diamante achado entre toneladas de cascalho ou a moeda de ouro cunhada por Deus e marcada com o selo mais raro, o selo místico e hermético, duplo e não obstante único. Imaginas que consolo é isto para mim na solidão do mundo obscurecido, no qual devemos encontrar a vida pura do Senhor para sermos salvos em corpo, em espírito e em alma!

Sobre a geomancia

Emmanuel d’Hooghvorst:

Sim, me dei conta da importância do segredo geomântico que me comunicastes. Fiz vários temas, a propósito de qualquer coisa a princípio, só para me exercitar e agora estou um pouco assombrado constatando como as predições se justificam e se verificam bem.

Louis Cattiaux:

Não ponhas demasiadas esperanças na geomancia para os assuntos de dinheiro e faças isso sem preocupação; rapidamente te darás conta se o Senhor está de acordo.

Emmanuel d’Hooghvorst:

De acordo contigo quanto à geomancia. O mais interessante é a chave alquímica que deve ser encontrada.

Louis Cattiaux:

O autor comete o erro fundamental de se declarar racionalista falando da geomancia, a qual é essencialmente irracional. Muitos destes autores eruditos estão carentes do bom dom mais elementar e são apenas vulgarizadores sem nenhum poder, o qual tentam substituir por um trabalho intenso e racional (…). Como os astrólogos, sobretudo, que por este fato colhem tantos estrondosos fracassos. Já que todo homem instruído pode estabelecer um tema, porém só um vidente pode interpretá-lo corretamente. E é aí onde a coisa já não funciona, já que o dom é raro, enquanto que a instrução é vulgar.

Louis Cattiaux:

Exagerei quanto à geomancia, porém temo ver-te conceder-lhe, do ponto de vista da adivinhação, uma importância demasiado grande. Só devemos recorrer a ela acessoriamente, sem curiosidade indiscreta e, sobretudo, sem superstição, sob pena de tornarmo-nos seu escravo (…). A conversação com Deus deve substituir a geomancia e nossa boa vontade nele deve nos permitir passar, como milagrosamente, através dos acidentes deste mundo cego, sem cálculo e sem preocupação.

Louis Cattiaux:

Tudo está bem escrito nos astros, porém amiúde é difícil ler o que está escrito, por isso frequentemente os melhores astrólogos se equivocaram; não é um argumento contra a astrologia, porém sim é um argumento a favor da estupidez humana.

As sociedades secretas

Emmanuel d’Hooghvorst:

A força da estupidez é tão temível que é perigoso enfrentá-la abertamente e por isso considero que a maioria dos sábios e adeptos preferem estabelecer mistérios ocultos e sociedades secretas.

Louis Cattiaux:

Tens razão no que se refere às sociedades secretas que servem para a transmissão dos segredos de Deus, porém, quão desfiguradas estão atualmente! É um modo de coagular os buscadores dispersos no mundo e eu não sou contra, muito pelo contrário.  Só constato que, como as igrejas, as sociedades secretas perderam o sentido inicial e isto é trágico e ridículo ao mesmo tempo.

Emmanuel d’Hooghvorst:

Embora não haja inquisição nem, em nossos países, polícia de estado, creio que a melhor fórmula é ainda a das sociedades secretas. Em primeiro lugar, os que se incorporam já demonstraram não ter medo; portanto ocorre uma primeira seleção: gente que na sua maioria deseja sinceramente se instruir, enfastiados pelas doutrinas oficiais, e finalmente já não é necessário temer tanto as polêmicas e perseguições dos imbecis conformistas e bem pensantes. Sem dúvida também tem um lado mau: as cabalas e as disputas interiores, porém tudo tem seu reverso.

S.O.S. coelhos

Emmanuel d’Hooghvorst:

Aqui tenho preocupações com minhas plantações (…). Plantei 30.000 pinheiros (…). A cerca ainda não está colocada (…). A fábrica não me envia a tela pedida (…). Os coelhos devoram todos os meus pinheiros (…). Também há coelhos roedores no bosque filosófico?

Louis Cattiaux:

Sim, há coelhos roedores no bosque filosófico, porém só comem as cascas mortas, já que não podem alcançar a árvore da vida.

Santas Escrituras alquímicas

Emmanuel d’Hooghvorst:

Por acaso João não alude também à matéria dos filósofos que está ao alcance de todos,  porém que ninguém vê, quando diz: “Eis aqui qual é o juízo: a luz veio ao mundo e os homens preferiram as trevas à luz, já que as suas obras eram más”? (João 3, 19) Talvez a expressão as obras más não deva ser tomada só no sentido moral comum. Na Ilíada de Homero, achamos: “Hermes, que desperta conforme lhe apraz aos que dormem e que adormece aos despertos”, e em São João: “Vim ao mundo para um juízo a fim de que os que não veem, vejam, e que os que veem se tornem cegos” (João 9, 39).

Louis Cattiaux:

Estás dotado para as comparações afortunadas referentes às Escrituras e poderias publicar um livro, feito destes encontros assombrosos, que teria muito êxito, já que sigo acreditando que um dia serás um autor famoso.

Nicolas Valois: a paciência é a escada dos filósofos

Emmanuel d’Hooghvorst:

Continuo copiando o manuscrito de Nicolas Valois sem compreender nada, desgraçadamente. Quando Deus me dará a compreensão deste texto? E quando me ensinarás a purificar a matéria antes que se levante o sol?  Também tentei interrogar a minha própria alma, porém sem obter resposta. Quando recebo uma resposta, é geralmente sonhando.

Louis Cattiaux:

Vejo que lês atentamente a Nicolas Valois e reconhecerás muitas passagens de outros autores. Não há nada novo na ciência, somente expressões diferentes.

Emmanuel d’Hooghvorst:

Leio em Nicolas Valois uma frase bem curiosa a propósito da obscuridade aparente dos livros herméticos: “Porém o labor será para ti ensinamento quando várias coisas assaltarão teu pensamento e recordarás tê-las lido nestes livros”.

Louis Cattiaux:

Basta que tenhas a esperança de resolver um dia todos os enigmas, ao ver o mistério realizar-se ante teus olhos.

Emmanuel d’Hooghvorst:

Lendo Nicolas Valois, no primeiro livro, no qual trata do Espírito, notei a curiosa passagem onde fala da donzela Beya, casada com os corpos imperfeitos, o que a repugna. Por acaso não se trata disso mesmo na Odisséia de Homero, onde lemos a história de Vênus casada com Vulcano e de seu adultério com Marte? Deve-se concluir que Vulcano, o fogo secreto, é quem põe em evidência este saber com o tempo. Porém, quem pode ser Marte, cuja união com Vênus foi evidenciada pelo trabalho de Vulcano? Ainda a propósito de Marte, deve-se concluir, segundo a definição citada acima, que representa as três especificações do Mercúrio nos três reinos.

Louis Cattiaux:

A união de Marte e de Vênus corresponde à união do espírito com a forma específica mediante o fogo secreto ou Vulcano. Como faz notar Dom Pernety, esta união, dissolvida por solicitação de Netuno, significa: dissolvida pela água divina que vem embeber e desfazer o composto. Há uma conclusão que é preciso tirar dessa passagem de Homero e é que o fogo secreto e o sol são os que põem tudo em evidência. São eles os que revelam todas as coisas a partir do interior delas.

A santa vadiagem

Louis Cattiaux:

 “Em alguma parte de uma pequena estrada perdida da Normandia, quinta feira 19 de novembro de 1952, na tempestade, na chuva e no frio sinistro do malvado inverno”.

Não tens que ficar desolado por causa de teu isolamento, já que compreenderás um dia que nem todos estão destinados a aproximar-se dos mistérios de Deus e já é muito surpreendente que me tenhas conhecido, pois se fala de uma agulha perdida em um palheiro, mas jamais de duas. A ciência de Deus é um segredo que lhe pertence em propriedade e que só a dá às suas crianças queridas depois de tê-las posto à prova longamente. É uma grande dor para elas que seus irmãos humanos não possam ouvi-las. Notarás quanto sofreu nosso belo Senhor e mestre, quanta solidão entre seus irmãos humanos e quão amargas e tristes são às vezes suas palavras. Devemos, pois, fazer sozinhos nossa busca e nos encomendarmos a Deus, que julga os corações por dentro e que dá seu dom a quem quer, sem se preocupar das nossas pequenas pretensões. Podemos buscar as brasas ainda vivas, porém não podemos voltar a acender as que estão mortas. Pensemos bem na parábola do semeador e, por consequência, não nos preocupemos em saber onde cai a semente, já que nos corresponde, a exemplo do pai, semear sem nos ocuparmos em saber que tipo de terra recebe a semente. Assim teremos realizado nossa missão e não estaremos desolados prematuramente. De todo modo, o juízo não nos pertence, e volto à minha definição “fazer bem o que tenhamos que fazer neste mundo, no fundo não crer nele e não esperar nada dele”. Assim teremos o tempo e o pensamento para buscar a salvação e a libertação de Deus, oferecidas a todos, e encontradas por tão poucos.

Emmanuel d’Hooghvorst:

Sim, sinto que meu caminho é um caminho escuro e isolado. Com meus bons amigos, sinto-me isolado. Na Igreja, sinto-me isolado. Falo no deserto. Constato isto com tristeza, pensando em ti e no teu próprio caso.

Louis Cattiaux:

Acabo de passar doze dias percorrendo caminhos lamacentos e granjas também lamacentas para vender vinho com um representante, e experimentei a vida embrutecedora que não deixa nem tempo nem força para a busca do Senhor. Este trabalho é uma verdadeira maldição, já que pela noite, ao ir dormir, estou tão esgotado que me é impossível ler uma página de um livro e inclusive me é impossível rezar. Assim, a santa vadiagem é absolutamente necessária para que ouçamos o Senhor, e o domingo é santo para os trabalhadores.

Emmanuel d’Hooghvorst:

Só tenho um desejo neste momento: viver escondido e tão desconhecido quanto seja possível. Para ter êxito na minha busca necessito de recolhimento, tranquilidade e não mais preocupações que as necessárias.

Louis Cattiaux:

Sonho com uma ermida na montanha com abelhas e cabras, ou melhor, com um jardim imóvel e mudo. Queria não me ocupar mais do que escutar e fazer versos de tanto em tanto.

O labirinto

Louis Cattiaux:

Tua última carta é como o labirinto de Creta no qual te esforças para medi-lo todo, localizar, classificar para ti mesmo, quando é suficiente que levantes o olhar para ver o anjo que está no centro, sobre a torre, e que te faz sinais e que te estende o fio.

A busca

Louis Cattiaux:

É estranho que seja preciso conter-se na busca, enquanto é preciso fazer tantos avançar a pontapés no traseiro!  Até breve no prazer de te dar o beijo da paz naquele que vem sem que ninguém o suspeite.


[1] Estes fragmentos de correspondência foram publicados em francês, sua língua original, na revista Le Miroir d’Isis, números 15 e 16, selecionados e apresentados por Eléonore d’Hooghvorst